quarta-feira, 23 de março de 2011

Aniversário da sua ausência.

A gente completou um ano de história. Mas hoje, sem mais nem menos, completamos dois meses de separação. Ano passado essa hora, exatamente a essa hora, eu lembro bem. Eu estava em casa, dormindo, No dia pós ano novo, com raiva ainda. Pela noite estragada dos meus amigos que me ocuparam em perguntar, de dez em dez segundos, quando é que iam te conhecer e eu cheguei até a sentir orgulho disso. Quando? Eu esperei, esperei naquele dia, andei, esperei. Nossa, como esperei. Acho que nunca esperei tanto na minha vida. Outro dia a Pati me perguntou o que você tinha me ensinado. A gente estava conversando sobre os legados que as pessoas deixam em nossa vida e ela quis saber qual tinha sido o teu. O coiso me ensinou a gostar de MPB e cinema europeu, o outro coiso me ensinou a gostar de restaurante caro e tudo caro. Teve o coisinho que me ensinou a ser engraçada . E você? Que raios me ensinou? Fiquei por um instante sem saber o que responder pra Pati. Mas hoje, no nosso aniversário de dois meses separados, posso dizer que foi você quem me ensinou a lição mais importante da minha vida: você me ensinou a sofrer. Eu nunca, nunca, em dezoito anos de vida, tinha sofrido. Nunca. Claro, eu odiava ver meus pais quebrando pau quando era criança, mas eu lembro que eu , pequenininha, pensava: um dia um príncipe vai me levar para longe dessa casa com gente louca que fuma demais, berra demais, bebe demais, desmaia e chuta vasos. Eu sofri também na escola, quando pra alguém me enxergar eu tinha que promover bizarrices. Mas eu era muito nova para me separar das bizarrices e acabava também chamando a minha atenção: será que sou bizarra?
Depois, em casa, quando eu dobrava direitinho o uniforme para o dia seguinte e me sentia um papel de parede bege que ninguém entende pra que serve, eu pensava: um dia um príncipe vai me levar pra longe dessa falta de vida, dessa falta de beleza, dessa falta de compreensão, dessa falta de cor, dessa falta de sei la o que porque eu era novinha demais pra saber o que me faltava. Esperar o raio do meu príncipe sempre disfarçou a minha dor, sempre me refugiou dela. Mas quando você, no dia 02 de novembro de 2010, me mandou seguir meu caminho sozinha, fiquei sem saber como fugir da dor. Você era meu príncipe. Depois de tantos amores estranhos, pequenos, errados e tortos, finalmente eu tinha reconhecido no seu olhar centralizado e no sorriso torto, o meu príncipe. E o meu príncipe estava me dando fora. Que porra eu ia esperar da vida agora? Quem iria me levar pra longe se você não me queria mais por perto? Não teve como. Foi a primeira vez na vida que não consegui me enrolar e acabei deixando a dor vencer. Pela primeira vez a realidade falou mais alto que a fantasia. Pela primeira vez a realidade da tua ausência falou mais alto que a fantasia de anos a sua espera. Sofri pra caralho, como diz por aí quem sofre pra caralho. Mais do que livros cabeças, músicas bacanas, frases inteligentes, lugares descolados ou posições sexuais, você me ensinou o que realmente importa aprender nessa vida: que a vida pode ser uma grande, imensa e gigantesca merda. É, ela pode ser. E que não existe porra de príncipe porra nenhuma. Que nem ninguém e nem nada pode te levar pra longe de nada. É isso e pronto. E é assim pra todo mundo. E pronto. Você se foi e veio misturada com toda a dor que eu não senti em todos esses anos. A dor do seu pé na bunda trouxe vasos jogados, bitucas eternas de cigarros em longas discussões pesadas, tardes perdidas em odiar o mundo, cabeças viradas, corredores frios, papéis de parede beges e grupinhos festivos e fechados. A nossa dor acabou sendo toda a dor que fazia fila em mim para ser sentida. E já que a porta pra realidade tá aberta, por que não sofrer também pelas criancinhas carentes, os países em guerra, a estupidez humana e a dor dos joelhos da minha mãe? Por que não sofrer pelas condições das favelas, das prisões e da Terra? Por que não temer o aquecimento global, o ácido dos limpadores de vidro na Almirante Barroso e as frases do Clodovil? A dor da sua partida trouxe toda a dor do mundo de uma só vez. Mas agora já passa de meia noite. Não é mais nosso aniversário de fim e, pra te falar a verdade, eu acho mesmo que você foi o príncipe que esperei a vida inteira. Você chegou e me levou embora. Levou embora a menina que tinha medo de sentir a vida e esperava uma salvação para tudo. Quem sobrou é essa desconhecida que se conhece muito bem em suas bizarrices, lê jornais todos os dias, substituiu o bege pela cor do verão, tem uns pais gente boa ainda que malucos, adora os poucos e estranhos amigos, não espera mais pelo cavalo branco mas fica ansiosa pelo início da novela e talvez esteja pronta para amar de verdade. Amar um homem e não um príncipe.

01 de janeiro de 2010.

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